16.06.2010 - 7:17am
Seção: Destaque
Roberto Romano da Silva
Roberto Romano da Silva
O fato mais grave no Brasil, em termos éticos, é a denúncia de espionagem em favor da candidatura oficial à Presidência da República. Tivemos a notícia, comprovada, de que um dossiê criminoso estava sendo elaborado contra José Serra. No dia 13 de junho, o jornal Folha de São Paulo trouxe algo mais inquietante: para além de Serra, dedos sujos e olhos idem investigaram as contas bancárias de Eduardo Jorge, dirigente do PSDB. Jorge já foi injustiçado de maneira brutal por alguns procuradores da República e precisou provar (ao arrepio de todas as salvaguardas do Estado de Direito) a sua inocência.
Punidos os que abusaram da função, imaginávamos que ele teria o descanso merecido. Agora, certa corte fora da lei, com uso de instrumentos secretos, volta a atentar contra a sua honra. O costume de armar denúncias —os supostos dossiês— se tranformou em modus operandi político. A quebra ilegal do sigilo bancário segue o mesmo rumo. Clama aos céus o ataque covarde de agentes públicos ao Sr. Francenildo Santos Costa. A quem aproveitaria a ação dos espiões? E sobre o dossiê dos aloprados, a quem aproveitaria a ação dos espiões? No dossiê contra Ruth Cardoso, a quem aproveitaria a ação dos espiões? Chegamos à papelada contra Serra e ao novo dossiê contra Eduardo Jorge. Certa parcela da ordem política brasileira recorda em demasia a bonequinha russa Matrioshka: um crime dentro de um crime, dentro de um crime, dentro de um crime… E todos os crimes são impunes porque são praticados em nome do socialismo, do futuro democrático, das massas populares, da popularidade governamental. A quem aproveita a ação dos espiões? Quem arma dossiês aproveita a penumbra, o silêncio, o segredo que infecta as entranhas do Estado.
O segredo é a face demoníaca da vida pública. Na aurora do Estado moderno “a verdade do Estado é mentira para o súdito. Não existe mais espaço político homogêneo da verdade; o adágio é invertido: não mais´fiat veritas et pereat mundus, mas fiat mundus et pereat veritas´. O segredo como instituição política só é inteligível no horizonte desenhado por esta ruptura (…) à medida que se constitui o poder moderno.” (Jean-Pierre Chrétien-Goni: “Institutio Arcanae”, in Lazzeri, Christian e Reynié, Dominique: Le pouvoir de la raison d´état. Paris, PUF, 1992, p. 137.)
Os dossiês secretos, no Brasil, são velhos conhecidos da opinião pública. Eles são “ignorados” apenas pelos grupos a quem beneficiam. Hannah Arendt afirma que a vida totalitária deve ser entendida como reunião de “sociedades secretas estabelecidas publicamente”. (O sistema Totalitário) Hitler examinou os princípios das sociedades secretas como corretos modelos para a sua própria. Ele promulgou em maio de 1939 algumas regras do seu partido: primeira regra: ninguém que não tenha necessidade de ser informado deve receber informação. Segunda: ninguém deve saber mais do que o necessário. Terceira: ninguém deve saber algo antes do necessário. Contra o segredo diz Norberto Bobbio: “O governo democrático desenvolve sua atividade em público, sob os olhos de todos. E deve desenvolver a sua própria atividade sob os olhos de todos porque todos os cidadãos devem formar uma opinião livre sobre as decisões tomadas em seu nome. De outro modo, qual a razão os levaria periodicamente às urnas e em quais bases poderiam expressar o seu voto de consentimento ou recusa? (…) o poder oculto não transforma a democracia, a perverte. Não a golpeia com maior ou menor gravidade em um de seus órgãos essenciais, mas a assassina”.
Que os cidadãos honrados saibam recusar a prática hedionda configurada na ação dos armadores de dossiês, o poder oculto a que se refere Norberto Bobbio. Assassinos da democracia não devem ser empregados por nenhuma candidatura honesta. Lugar de semelhantes espiões não é o partido eleitoral, mas a cadeia.
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