sábado, 17 de outubro de 2009

O PASSEIO DE DILMA ROUSSEF PELO NORDESTE NA VISÃO DE HÉLIO DUQUE


A candidata e o cordel

O cordel é uma manifestação popular da gente simples do interior do nordeste e expressa a angústia e o cotidiano vivente do seu povo. A improvisação cordelista tem raiz em uma inteligência criativa assombrosa. Tornou-se, com o tempo, vigorosa manifestação da cultura popular, extrapolando as fronteiras regionais. No Ceará, Patativa do Assaré universalizou com toques de erudição as suas notáveis criações. Na Bahia, o versejar improvisado e critico de Cuíca de Santo Amaro, por décadas, tem reedições sempre repetidas. Em Pernambuco e na Paraíba, os cordéis do Cego Aderaldo e Lourival estão presentes no cotidiano do seu povo.
A essência da criatividade cordelista é retratar os acontecimentos cotidianos da vida regional e nacional. Nada escapa. A política se faz presente nos desafios e cantorias desses autênticos trovadores. De origem rural alargou-se pelos centros urbanos e neles criou vasta rede de comunicação na gente simples e trabalhadora. Compositores consagrados abraçaram a causa de divulgar os versos e as cantadas desses anônimos poetas sertânicos. Um deles foi o compositor Fagner, que levou a novas fronteiras a trova desses cantores ambulantes. São narrações feitas no improviso por testemunhos presenciais.
Nas feiras semanais, nos encontros sem compromisso e nas praças das principais cidades, os desafios são acontecimentos que enchem de prazer e alegria a vida simples de quem assiste ao espetáculo. Atualmente, na região nordestina, os cordelistas se debruçam em trovas onde a eleição é o mote principal. Louvando muitas vezes e criticando quase sempre as administrações estaduais. São rigorosos na busca da ética da vida, combatendo com rigor o axioma de que todo mundo tem seu preço. Intelectuais populares e sem formação livresca mas doutrinados no viver, são impiedosos combatentes dos agentes públicos.
Conhecedor da força penetradora do cordel, o presidente Lula da Silva, igualmente louvado e criticado por muitos cordelistas, já deve saber da existência no Ceará de Zé Piaba. Ele compôs o “Cordel da Dilma” que vem ganhando divulgação naquela região brasileira. E já está postado na rede de comunicação moderna expressada nos milhões de computadores. Com simplicidade e linguajar direto e de fácil compreensão popular, na sua sabedoria primitiva, ousa traçar um perfil sem retoque da personalidade da candidata lulista à presidente da República.
Em certa parte da sua criação Zé Piaba é impiedoso: “A mulher, que era emburrada/ Anda agora sorridente/ Acenando para o povo/ Alegre, mostrando o dente/ E os baba-ovos gritando: É Dilma pra presidente! / Mas eu sei que o olho grande/ É na montanha de bilhões / Que Lula botou no PAC/ Pensando nas eleições/ Eu já vi um deputado / Dizendo no Cariri / Que Dilma é linda e charmosa/ Igual não existe aqui/ É capaz de ser mais bela/ Que a Angelina Jolie.

A percepção e capacidade de entender a realidade do cordelista encontram eco nos círculos profissionais que se consideram doutores em cenários políticos. Um desses é Carlos Augusto Montenegro, presidente do Ibope, que avança ao afirmar que não se fabrica mais candidatos. Ele considera que uma candidatura para ser viável, deve ter luz própria, currículo e já ter disputado eleição. No caso da ministra chefe da Casa Civil, tem opinião objetiva. Acha que a popularidade de Lula continua estável, mas a sua candidata deslocou-se dele. E mais: “Lula está tentando fabricar alguém. O PT sofreu desgaste com mensalão e aloprados. O partido perdeu a identidade, a ética e o charme. O PT mobilizava formuladores de opinião, atores, artistas, jornalistas e estudante. Tudo isso foi para o saco, acabou. Muitas pessoas de baixa renda que melhoraram de vida podem até votar no candidato de Lula por gratidão. Por isso mesmo Dilma tem 15% das intenções de voto. Sem Lula teria 1%. A rejeição de Dilma ter chegado a 40% significa que ela anda para trás.
Audacioso e desafiador, Carlos Augusto Montenegro, em nome do Ibope, afirma em entrevista a “Veja”: “Digo que Lula não elege sucessor do PT.” Ao enfatizar que o eleitor tem o sentimento de que, Dilma vencendo, serão quatro anos, com as coisas ruins do PT e sem as coisas boas de Lula, comprova o divórcio entre lulismo e petismo. Entende que o partido ficou com o desgaste do poder e das trapalhadas e Lula ficou com as coisas boas. A opinião do presidente do Ibope, mesmo não tendo a infalibilidade papal, não pode ser descartada. A credibilidade e grande experiência histórica em amostragem da opinião pública estão colocadas em jogo. Possuindo"em jogo. Possuindo sofisticadas bases de avaliação do humor e tendência da sociedade, é difícil acreditar em leviandade e interesse partidário no seu ponto de vista.
Concretamente constata-se a harmonia de pensamento em relação à candidata Dilma Roussef. Ganha dimensão a intuitividade do cordelista Zé Piaba, numa região brasileira onde o carisma lulista chega à veneração. Demonstrando que o Brasil está diferente, sendo muito difícil eleger figuras sem currículo, historia e simpatia que penetre no imaginário popular. Não obstante o seu patrocinador colecionar índices extravagantes de popularidade. No Chile, a presidente Michele Bachelet tem 78% de aprovação popular, e dificilmente fará sucessor.

Hélio Duque é doutor em Ciências, área econômica, pela Universidade Estadual Paulista (UNESP). Foi Deputado Federal (1978-1991). É autor de vários livros sobre a economia brasileira.

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