Ao iG, sociólogo e ex-petista diz haver crise de representatividade dos partidos em todo o mundo, mas diz que reforma não resolve
Para Chico de Oliveira, tese de que há nova classe média no Brasil é apenas propaganda do governo |
Ex-petista e ex-colaborador direto do então candidato à Presidência Luiz Inácio Lula da Silva, o sociólogo Chico Oliveira, professor emérito da Universidade de São Paulo (USP), foi um dos primeiros intelectuais de esquerda a se desencantar com o governo petista, ainda nos primeiros meses de 2003.
Agora Oliveira, que disse usar o pessimismo como metodologia de trabalho, demonstra o mesmo desalento com uma das principais bandeiras deste início de governo Dilma Rousseff, a reforma política. “É perfumaria, coisa de quem não tem o que fazer”, disse. Para Oliveira, não há como consertar com um pacote de leis a cultura política forjada em séculos de desmandos e corrupção. “É preciso uma longa sedimentação”, afirmou.
Leia os principais trechos da entrevista concedida por Oliveira ao iG no hall do prédio onde mora, no bairro da Lapa, na capital paulista.
Chico de Oliveira – Reforma política é perfumaria, é assunto de quem não tem o que fazer. A única coisa de política que precisaria ser recuperada é a representatividade dos partidos, mas isso não depende de uma reforma. As experiências que existem de voto distrital em países do tamanho do Brasil são um desastre. Você perde representatividade porque o Brasil é um país que você tem que envolver a política pelos grandes temas, não pelos pequenos. Para os pequenos você já tem o vereador, deputado estadual.
iG – E como recuperar a representatividade dos partidos?
Oliveira - Essa representatividade está em crise no mundo todo. No Brasil, isso é evidente. O que é o PMDB? É um partido da burguesia? Não, não é. A não ser que essa burguesia seja tão vagabunda que seu representante seja o Sarney. Mas isso não é verdade. O PSDB tentou ser um partido diferente. Era uma promessa de um partido laico, não ideológico, republicano. Deu em nada. O PT é uma mistura hoje muito mal definida porque o poder faz isso com todos os partidos de esquerda que chegam ao poder.
iG – Essa onda conservadora que surgiu no final do primeiro turno da campanha presidencial é um sintoma de que os partidos hoje perderam representatividade?
Oliveira – Sim, mas isso não tem conserto por reforma política. Há um movimento das classes sociais que desestruturou os partidos. O PSDB pensava que ia surgir uma nova burguesia e que seria o melhor representante delas. Surgiu? Não. Surgiram grupos econômicos muito fortes, mas isso não se transporta para a política. O PSDB é um personagem em busca de autor. O FHC é um quadro excelente, um dos mais preparados, mas é trágico hoje.
iG – O surgimento dessa nova classe média tende a aprofundar o abismo entre os partidos e a sociedade?
Oliveira – Isso não é uma nova classe média, é propaganda do governo em que vocês da imprensa acreditam. Uma classe social não é isso, é uma coisa muito mais complexa. O que você tem é um movimento de crescimento capitalista num ciclo muito favorável. Não virou classe média nenhuma. Tem signos do consumo que todo mundo atribui à classe média, mas é falso.
iG – E o que falta para essas pessoas que agora têm acesso a esses 'signos de consumo' para se transformarem nessa nova classe média?
Oliveira – Muita coisa. Você está lidando com estratificações econômicas, e não políticas. Uma classe social é um longo processo. Exige uma mesma situação econômica, quadros, ideologia – que não precisa ser radical. Você se sente parte, com uma experiência comum de classe, ou seja, passar pelas mesmas situações.
iG – Primeiro a sociedade deve se reestruturar em classes políticas para depois resolver a questão da representatividade dos partidos?
Oliveira – É preciso uma longa sedimentação. Isso você não assenta nem por decreto, nem por reforma política. É um longo processo, se houver. Provavelmente não haverá essa reconfiguração da sociedade de forma que se transporte para a política. Em outras palavras, o sistema partidário tende a ser cada vez mais um sistema que alguns chamam de “partido ônibus”, que é uma tentativa de sair à disputa de voto como um mercado.
iG – E a questão ética?
Oliveira - Ética você não injeta em ninguém como penicilina. Na nossa formação histórica o Estado veio antes da sociedade. Portugal transplantou para cá os instrumentos jurídicos de um país semi-feudal. Para reconhecer qualquer coisa você precisa ir a um cartório. As regulações vêm de cima. É muito difícil numa cultura desse tipo criar o sentimento cívico de que o Estado é você que faz.
iG – O senhor é favorável ao financiamento público de campanha?
Oliveira – É uma das únicas coisas da reforma política que é necessária, para democratizar a disputa política. Mas é a única. Por exemplo, reduzir o número de partidos é brincadeira, é antidemocrático. Tem muito partido de aluguel, e haverá outros. As coisas da sociedade se reproduzem no interior do partido.
iG – O voto em lista fechada tem sido defendido pelo PT como uma forma de possibilitar o financiamento público.
Oliveira - Acho a lista profundamente antidemocrática. Será um instrumento para fechar de vez o sistema político porque transforma os que estão eleitos numa oligarquia. Não dá para você penetrar num sistema desses.
iG – Então é melhor manter o sistema como está?
Oliveira – É melhor. Não tem como quebrar essa cadeia da eleição. Todos os sistemas políticos são corruptos. Isso não é conformismo. Quando você tenta cercar o sistema com regras, pode dar num autoritarismo miserável, que é a experiência da ditadura militar, ou pode dar numa oligarquizarão total dos partidos. Deixa o sistema correr.
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