quarta-feira, 9 de fevereiro de 2011

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Chico de Oliveira: 'Reforma política é perfumaria'

Ao iG, sociólogo e ex-petista diz haver crise de representatividade dos partidos em todo o mundo, mas diz que reforma não resolve


Para Chico de Oliveira, tese de que há nova classe
média no Brasil é apenas propaganda do governo
Ex-petista e ex-colaborador direto do então candidato à Presidência Luiz Inácio Lula da Silva, o sociólogo Chico Oliveira, professor emérito da Universidade de São Paulo (USP), foi um dos primeiros intelectuais de esquerda a se desencantar com o governo petista, ainda nos primeiros meses de 2003.
Agora Oliveira, que disse usar o pessimismo como metodologia de trabalho, demonstra o mesmo desalento com uma das principais bandeiras deste início de governo Dilma Rousseff, a reforma política. “É perfumaria, coisa de quem não tem o que fazer”, disse. Para Oliveira, não há como consertar com um pacote de leis a cultura política forjada em séculos de desmandos e corrupção. “É preciso uma longa sedimentação”, afirmou.
Leia os principais trechos da entrevista concedida por Oliveira ao iG no hall do prédio onde mora, no bairro da Lapa, na capital paulista.
iG – O senhor acha que a reforma política vai resolver alguma coisa? 
Chico de Oliveira – Reforma política é perfumaria, é assunto de quem não tem o que fazer. A única coisa de política que precisaria ser recuperada é a representatividade dos partidos, mas isso não depende de uma reforma. As experiências que existem de voto distrital em países do tamanho do Brasil são um desastre. Você perde representatividade porque o Brasil é um país que você tem que envolver a política pelos grandes temas, não pelos pequenos. Para os pequenos você já tem o vereador, deputado estadual.


iG – E como recuperar a representatividade dos partidos?
Oliveira - Essa representatividade está em crise no mundo todo. No Brasil, isso é evidente. O que é o PMDB? É um partido da burguesia? Não, não é. A não ser que essa burguesia seja tão vagabunda que seu representante seja o Sarney. Mas isso não é verdade. O PSDB tentou ser um partido diferente. Era uma promessa de um partido laico, não ideológico, republicano. Deu em nada. O PT é uma mistura hoje muito mal definida porque o poder faz isso com todos os partidos de esquerda que chegam ao poder.

iG – Essa onda conservadora que surgiu no final do primeiro turno da campanha presidencial é um sintoma de que os partidos hoje perderam representatividade?
Oliveira – Sim, mas isso não tem conserto por reforma política. Há um movimento das classes sociais que desestruturou os partidos. O PSDB pensava que ia surgir uma nova burguesia e que seria o melhor representante delas. Surgiu? Não. Surgiram grupos econômicos muito fortes, mas isso não se transporta para a política. O PSDB é um personagem em busca de autor. O FHC é um quadro excelente, um dos mais preparados, mas é trágico hoje.

iG – O surgimento dessa nova classe média tende a aprofundar o abismo entre os partidos e a sociedade?

Oliveira – Isso não é uma nova classe média, é propaganda do governo em que vocês da imprensa acreditam. Uma classe social não é isso, é uma coisa muito mais complexa. O que você tem é um movimento de crescimento capitalista num ciclo muito favorável. Não virou classe média nenhuma. Tem signos do consumo que todo mundo atribui à classe média, mas é falso.


iG – E o que falta para essas pessoas que agora têm acesso a esses 'signos de consumo' para se transformarem nessa nova classe média?

Oliveira – Muita coisa. Você está lidando com estratificações econômicas, e não políticas. Uma classe social é um longo processo. Exige uma mesma situação econômica, quadros, ideologia – que não precisa ser radical. Você se sente parte, com uma experiência comum de classe, ou seja, passar pelas mesmas situações.



iG – Primeiro a sociedade deve se reestruturar em classes políticas para depois resolver a questão da representatividade dos partidos?
Oliveira – É preciso uma longa sedimentação. Isso você não assenta nem por decreto, nem por reforma política. É um longo processo, se houver. Provavelmente não haverá essa reconfiguração da sociedade de forma que se transporte para a política. Em outras palavras, o sistema partidário tende a ser cada vez mais um sistema que alguns chamam de “partido ônibus”, que é uma tentativa de sair à disputa de voto como um mercado.


iG – E a questão ética?
Oliveira - Ética você não injeta em ninguém como penicilina. Na nossa formação histórica o Estado veio antes da sociedade. Portugal transplantou para cá os instrumentos jurídicos de um país semi-feudal. Para reconhecer qualquer coisa você precisa ir a um cartório. As regulações vêm de cima. É muito difícil numa cultura desse tipo criar o sentimento cívico de que o Estado é você que faz.


iG – O senhor é favorável ao financiamento público de campanha?
Oliveira – É uma das únicas coisas da reforma política que é necessária, para democratizar a disputa política. Mas é a única. Por exemplo, reduzir o número de partidos é brincadeira, é antidemocrático. Tem muito partido de aluguel, e haverá outros. As coisas da sociedade se reproduzem no interior do partido.


iG – O voto em lista fechada tem sido defendido pelo PT como uma forma de possibilitar o financiamento público. 
Oliveira - Acho a lista profundamente antidemocrática. Será um instrumento para fechar de vez o sistema político porque transforma os que estão eleitos numa oligarquia. Não dá para você penetrar num sistema desses.


iG – Então é melhor manter o sistema como está?
Oliveira – É melhor. Não tem como quebrar essa cadeia da eleição. Todos os sistemas políticos são corruptos. Isso não é conformismo. Quando você tenta cercar o sistema com regras, pode dar num autoritarismo miserável, que é a experiência da ditadura militar, ou pode dar numa oligarquizarão total dos partidos. Deixa o sistema correr.


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